Do Brasil à França: Lições de uma jornada na construção com madeira
- ebramem18
- 3 de abr.
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Atualizado: 7 de abr.
O engenheiro industrial madeireiro Gustavo Lozano Côrtes, formado na UFPR, traz na entrevista exclusiva, sua experiência da França e do Canadá para refletir sobre o futuro da construção em madeira no Brasil.

Você é brasileiro, formado na UFPR, que adquiriu vasta experiência em construções em madeira engenheirada na França e no Canadá. O que você acha que precisa mudar no ensino brasileiro para chegar ao patamar que as estruturas de madeira possuem no Canadá e França?
Acredito nas formações mais ligadas à prática da construção com madeira, não só de ensino superior mas também ensino técnico. Isso é muito importante para assegurar o desenvolvimento do setor de forma equilibrada. Não adianta termos engenheiros(as) e arquitetos(as) com conhecimento para projetar estruturas de madeira e tecnologias de ponta se o setor de construção não tiver mão de obra técnica capaz de executar os projetos. Um exemplo claro é o que acontece na França com as formações técnicas de carpinteiros - “Compagnons du Devoir” e “BTS production et construction bois" como são conhecidas por lá. Inclusive algumas delas existem desde a idade média - que oferecem mão de obra qualificada para as indústrias e para as montagens nas obras diretamente. Mesmo as instituições de ensino superior são muito antigas e tradicionais. Nem por isso param de evoluir e se adaptar ao mercado, com novas tecnologias. Adaptando também o ensino para as novas gerações de alunos para continuarem sendo competitivas e competentes em seu domínio de atividades. Um exemplo é a ESB ( École Supérieure du Bois - de Nantes na França ) onde tive oportunidade de estudar. Eles possuem as formações técnicas e as de nível superior. A Escola Superior da Madeira (ESB) foi fundada em 1934 e a cada 5 ou 7 anos faz uma revisão do seu programa para se adaptar às necessidades do mercado e às novas tecnologias. Laboratórios com acesso livre aos estudantes para utilização no que quiserem, atividades conexas entre empresas e as universidades, formações alternadas (1 mês na universidade e 1 mês na empresa) são também exemplos do que tenho visto fora do Brasil para agregar nas formações.
Qual a importância do desenvolvimento de tecnologia no país para que aconteça o crescimento das estruturas de madeira no Brasil?
Hoje em dia, a tecnologia é uma forma de tornar a indústria da construção competitiva. Utilizada para complementar o “know how” dos fabricantes, otimizar processos e reduzir custos. Não temos como evoluir no setor sem investir na tecnologia. Ela deixou de ser um luxo e passou a ser necessidade. Em países com pouca oferta de mão de obra qualificada, caso do Canadá, existe mesmo uma grande subvenção do governo nacional e provincial para investimentos em tecnologia. Qualquer empresa que queira inovar e investir em tecnologia tem acesso, mas o setor da construção é um dos que têm prioridade. A maioria tem investimento em máquinas que possam diminuir o trabalho manual e aumentar o rendimento da matéria prima.
Qual a importância de existirem investimentos e políticas públicas em construções com madeira, a exemplo do que aconteceu nos Jogos Olímpicos de Paris, para o aumento do uso de estruturas de madeira?
O setor público tem que dar exemplo e incentivar o uso de materiais naturais em suas construções facilitando essa transição e dando meios ao país de colocar isso em prática. Tudo passa por objetivos claros e políticas públicas que acompanham os objetivos. No caso da França existem objetivos e estratégias bem definidas pelo governo para fazer essa mudança acontecer no país. Por exemplo, estão entre os objetivos nacionais franceses uma estratégia nacional de baixo carbono visando alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e o setor da construção (responsável por cerca de 25% das emissões de gases de efeito estufa segundo a França) é uma prioridade. O uso de madeira e materiais de base biológica é incentivado para armazenar carbono, substituir concreto/aço e reduzir a pegada ambiental. Junto a esse objetivo o governo elaborou o "Plano França 2030" que prevê 500 milhões de euros para apoiar a industrialização de materiais sustentáveis, como madeira e cânhamo. O programa visa desenvolver uma cadeia produtiva de madeira competitiva e acelerar a transição ecológica no setor da construção. Além disso, uma nova regulamentação energética em ambiental (RE2020) e algumas certificações ambientais foram colocadas em prática para acelerar os processos de transição sendo pontos chave dessa política pública. Para completar foi criada uma lei ("loi Climat et Résilience" de 2021) que obriga as construções públicas a darem exemplo. As construções públicas devem integrar pelo menos 25% de materiais de base biológica ou geológica em sua estrutura ou envoltória. O objetivo é desenvolver o uso de materiais sustentáveis nas licitações públicas, com monitoramento por meio de indicadores. Resumindo, as políticas públicas são necessárias para que essa transição aconteça no setor.
Estruturas de madeira serrada, light wood frame ou madeira engenheirada? No que o Brasil precisa investir mais para mudar a posição que a madeira ocupa nas construções em comparação com outros materiais estruturais?
Reconheço que sou um tanto suspeito para opinar, considerando que atuo predominantemente com madeira engenheirada há mais de uma década. No entanto, também acumulo experiência em projetos de concepção estrutural e execução utilizando sistemas em light wood frame e madeira serrada. Na madeira serrada um investimento na indústria que fará diferença é o fato de serrar a madeira com objetivo de fabricar madeira engenheirada, como é feito na Europa e em uma parte da América do Norte. O light wood frame é uma necessidade, principalmente em construções residenciais para aumentar a qualidade, a performance térmica e estrutural das residências brasileiras. Utilização combinada com a madeira engenheirada também é muito interessante e responde em alto nível diversos tipos de construção. A madeira engenheirada é uma forma de responder a arquitetura de alto nível e com performances estruturais que não deixam nada a desejar quando comparadas com o aço e o concreto. Por isso acredito que precisamos desenvolver as três áreas em paralelo, incentivando mais o uso da madeira nas construções brasileiras.
O que a Arquitetura brasileira tem a ganhar com o maior investimento do país na madeira engenheirada?
Grande liberdade arquitetural, possibilidade de executar formas e volumes complexos mais facilmente que em outros materiais e com menor custo energético de fabricação (exemplo das vigas curvas em madeira laminada colada). Menor impacto ambiental e diminuição das emissões de CO2 ligadas à construção civil. A biofilia e a proximidade com a natureza que já são características buscadas na arquitetura brasileira. Fazendo com que as construções possam funcionar de maneira mais orgânica sendo que a própria estrutura é feita de um material natural e renovável.
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